O MEU VOO...é um espaço dedicado à partilha de narrativas pessoais. Testemunhos na primeira pessoa ou de familiares que farão por transcrever em palavras aquilo que é o seu voo ímpar “Nas asas da Diversidade”. Histórias e verdades que podem ser bálsamos ou purgas... Aceitam esta viagem?
1. Queremos conhecer a vossa família! Vamos a apresentações?
Somos uma família numerosa de 6 elementos. Eu sou a Andreia, a mãe, tenho 40 anos e sou loucamente apaixonada pelos meus filhos. O pai Hélder tem 46 anos e é um paizão maravilhoso, igualmente perdido de amores pelos seus filhos. Ambos, os dois (risos) apaixonados um pelo outro. Vieram os filhos. O primogénito é o Salvador. O autista cá de casa. Tem 12 anos e é o menino mais doce e meigo que conheço. Trabalhador e resistente. A Benedita tem 9 anos e nasceu para nos trazer um turbilhão de emoções. É o braço direito do irmão, e um furacão de menina. A Teresinha é a terceira filha, tem 7 anos e é uma leveza no meio da tempestade. A meiguice em forma de pessoa. Não há quem não goste dela. A Mariazinha é a mais pequenina dos irmãos e o desassossego da vida deles. Somos muitos felizes uns com os outros.
2. Enquanto família neurodiversa, considerando que cada um de nós é único, de que forma a singularidade do vosso filho com Perturbação do Espetro do Autismo se manifesta no dia-a-dia da vossa família?
Considerando que somos únicos, o Salvador acaba por ser única e exclusivamente, o Salvador. Por palavras é sempre complicado explicar. O Salvador com as suas características particulares é tão único como cada um de nós que convive com ele. Desde o nascimento de cada um dos nossos filhos há aceitação e respeito por cada um deles. Não há outra forma de viver a neurodiversidade se não assim. Lidamos com esta diversidade com a maior das levezas. É isso que nos faz viver mais feliz.
3. Receber a confirmação de um diagnóstico de Autismo é transformador. Como foi a vossa experiência? Que sinais começaram por identificar?
Aquando do nascimento do Salvador, eu (mãe) fui sempre identificando alguns comportamentos que achava não serem os habituais na maioria dos bebés. A forma como a mamar me segurava na mama, a forma como olhava no vazio, o choro inconsolável e o bolsar constante foram dos primeiros sinais que identifiquei. Contudo estes poderiam ser características de tantos outros recém-nascidos que em idades muito precoces podem apresentar estes sintomas ou características. Por volta dos 6 meses havia alterações no Perímetro cefálico e na questão do desenvolvimento motor. Aos 9 meses essas alterações mantinham-se e confirmou-se também o estrabismo divergente a quem foi atribuída toda a "culpa" pelo não desenvolvimento padrão do Salvador. O início do uso de óculos foi também uma questão abordada como barreira ao desenvolvimento. Eu ia insistindo para mais comportamentos que achava diferentes, como gritar incessantemente, risos e corridas desadequadas, total indiferença com a chegada dos pais, a linguagem tardia, a repetição de palavras soltas, interesses muito restritivos e seletividade alimentar. Até que aos 2 anos e meio, veio a confirmação do Autismo e com isso também a Perturbação da Hiperatividade e Défice de Atenção e Pica. Para mim foi a confirmação de tudo e um alívio de tal forma transformador que arregacei mangas e quis fazer tudo para ontem. Finalmente havia um nome para tudo o que eu sabia desde início e que todas as pessoas que nos rodeavam diziam ser da minha cabeça. Essa libertação de culpa foi tremenda. E fez-me ganhar mais forças para seguir em frente.
4. Na vossa opinião, o Autismo alterou a vossa definição de "voo" e "liberdade" enquanto família? Que desafios têm encontrado?
O nosso filho Salvador veio ser um crivo enorme na nossa vida. Selecionou os melhores dos melhores. Afastou os que não sabiam lidar, ou não queriam lidar, manteve os de sempre e trouxe ainda mais pessoas boas. Não vemos nada de negativo com o diagnóstico do Salvador. Limita-nos em termos de horários mas conseguimos, com o maior amor do mundo ser felizes com a condição que temos. Comparo muitas vezes estas condicionantes com algumas questões das irmãs... também elas com outras questões da idade ou do seu próprio desenvolvimento típico. Faz parte e cabe- nos a nós, tentarmos ver e viver sempre com o copo meio cheio. Os maiores desafios vêm sempre da comunidade. Quando percebemos que não acreditam tanto nas capacidades do nosso filho como nós. Felizmente temos tido muito boas pessoas no nosso caminho e as menos boas têm sido muito bem colmatadas por quem tanto acredita como nós.
5. Que estratégias têm utilizado para enfrentar esses desafios?
A única estratégia para nós é sempre e em primeiro lugar: o amor. O ir de braços abertos e de sorriso nos lábios mesmo que o nosso coração receie. Ninguém poderá não responder positivamente a esta nossa forma de estar na vida. Podia ser muito demagógica e dar um exemplo prático para cada situação... mas no fundo a maior e melhor estratégia é sempre o Amor.
6. O conceito de diversidade é cada vez mais central nas nossas vidas. De que forma a vossa família celebra e valoriza a diversidade?
Como família numerosa que somos, somos um reflexo da diversidade. Cada um de nós, ser único e irrepetível. Com as suas características próprias. Com feitios próprios. Somos tão diversos uns dos outros que é nessa condição que nos sentimos uma Ode à diversidade. Cada qual à sua maneira.
7. Qual é o papel da comunicação na vossa família? Como têm apoiado em conjunto a comunicação do vosso filho?
Desde sempre que o diálogo é um elemento fundamental na nossa vida. Quer enquanto casal, quer com os nossos filhos. Eles são incluídos nas decisões mais básicas (de acordo com as idades e entendimentos de cada um) e partilham a sua opinião conosco. Isto é válido tanto para as meninas como para o Salvador. Cada um à sua maneira expressa a sua vontade e querer. A questão da comunicação com o Salvador nunca foi um problema. Ao contrário da linguagem, que é outra questão. A comunicação do Salvador a nível não-verbal sempre foi impressionante. Ele desde tenra idade conseguia expressar plenamente tudo o que queria sem dizer uma única palavra. Já em relação à linguagem verbal tem sido um trabalho árduo. Dele e de toda a nossa família. As irmãs têm sido um pilar para ele e o maior estímulo que o Salvador poderia ter. São elas que estão mais tempo com ele, e apesar de serem mais novas não o largam um só segundo no que toca a este estímulo da fala. Nós nunca deixámos de o estimular também e de lhe pedir que respondesse por palavras. Além de tudo isto, diariamente, após o beijinho para dormir, há sempre palavras de incentivo e de motivação. "Tu vais conseguir. Nós acreditamos muitoooo em ti."
8. Nas Asas da Diversidade" evoca a ideia de voar livremente e de forma única. Que momentos ou experiências vos fizeram sentir que estavam a voar e a criar a vossa própria rota?
Diariamente sentimos isso. Em nenhum momento especial. Viver é tão especial que fazê-lo de forma livre e única é o que nos faz sentido. Sentirmos o carinho das pessoas que nos rodeiam. A admiração. Sermos cada vez mais exemplo para quem nos segue nas redes sociais e na vida, preenche a nossa vida com mais significado ainda. E responsabilidade.
9. A vossa perspectiva sobre diversidade e inclusão mudou desde que o vosso filho foi diagnosticado com Autismo?
Nós somos pais e pessoas melhores desde que tivemos o Salvador. O nascimento de cada filho é transformador, mas o nascimento do Salvador foi ainda mais. É dizer ao mundo todos os dias que é possível. Que não há problema nenhum em ser assim. Que se pode ter uma vida feliz, muito feliz, com a condição que existe. Ser, sentir e viver em nossa casa fez toda a diferença na nossa vida.
10. Pensando na vossa jornada até agora, que conselhos dariam a outras famílias que estão a começar o seu próprio voo com o Autismo?
Esta é sempre a pergunta que nos fazem no final de cada entrevista. E eu respondo sempre da mesma forma. ONDE HÁ AMOR NÃO HÁ IMPOSSÍVEIS. Abram o peito de orgulho e acreditem. Mas acreditem com todas as vossas forças. Vivam a vida com o vosso maior sorriso. Sintam o vosso filho e percebam as suas necessidades. Nunca se sintam menores, nem tenham vergonha. Um filho será SEMPRE um filho!
Muito obrigado pela vossa partilha! São uma verdadeira inspiração!
Continuação de bom voo,
Nas Asas da Diversidade!
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